Vascaíno Fausto encantou os uruguaios na 1ª Copa do Mundo, em 1930, e ganhou o apelido de 'A Maravilha Negra'

Quarta-feira, 07/10/2015 - 06:32
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A ideia de se organizar um campeonato mundial de futebol surgiu em maio de 1902, quando um comerciante holandês chamado Carl Wihelm Hirschmann redigiu um estatuto com o objetivo de reunir numa só entidade as federações de futebol de todo o planeta. A partir de 21 de maio de 1904, com a fundação da FIFA, a ideia ganhou força, mas nenhum dos países filiados à entidade quis assumir a responsabilidade de organizar a competição. Somente em 1919, quando o francês Jules Rimet foi eleito presidente da FIFA, a ideia da competição começou a ser posta em prática. Após os Jogos Olímpicos de Amsterdã, Holanda (1928), a FIFA aprovou, enfim, o novo torneio, que passaria a ser disputado de quatro em quatro anos. A primeira edição seria no Uruguai, dois anos depois. O país foi escolhido em função da conquista dos títulos olímpicos de 1924 e 1928; da comemoração do centenário de sua independência; e pela garantia de que a Associação Uruguaia de Futebol (AUF) ficaria responsável pelas despesas com passagens e estadias e daria participação nos lucros da competição.

Jules Rimet passou a providenciar a produção do troféu. Encomendou a tarefa ao escultor francês Abel Lefleur. Em abril de 1930, Jules Rimet recebeu a pequena estatueta, de um quilo e oitocentos gramas de ouro puro, cujo valor foi de cinquenta mil francos.

Dois meses antes da Copa, ninguém tinha confirmado presença na competição. Tchecoslováquia, Alemanha, Itália, Áustria, Hungria, Espanha e Suíça desistiram de forma definitiva, alegando que seus jogadores eram amadores e não poderiam ausentar-se de seus empregos por mais de trinta dias. Após grande esforço pessoal, Rimet conseguiu garantir a presença da França, Bélgica, Iugoslávia e Romênia. Da América do Sul, confirmaram presença: Argentina, Brasil, Paraguai, Chile, Bolívia, Peru e os donos da festa, os uruguaios. Da América do Norte, Estados Unidos e México.

O Brasil estava em condições de formar uma das melhores seleções de todos os tempos e fazer um belo papel na competição, com chances claras de conquistar o torneio. Mais uma vez a falta de bom senso marcou presença na história do futebol brasileiro. De um lado, a Liga de São Paulo, APEA, sedenta pelo poder, criou um novo conflito, e do outro, a CBD, intransigente, estava disposta a mostrar quem mandava no futebol brasileiro. A desavença entre as entidades impediu a Seleção Brasileira de contar com os seus melhores jogadores para disputar o torneio.

No dia 6 de maio, conforme ofício da CBD à APEA, foi comunicada a viagem dos membros da comissão técnica, sob a direção do Dr. Píndaro de Carvalho (técnico), a São Paulo, com o intuito de escolher os jogadores paulistas que fariam parte da delegação que iria ao Uruguai. No dia seguinte, Elpídio de Paiva Azevedo, então presidente da entidade paulista, respondeu o ofício dando o de acordo, mas com uma pequena ressalva: solicitava a inclusão de Jorge Caldeira, representante da Liga paulista, na comissão técnica. Sem dar resposta à APEA, no início de junho a CBD enviou-lhe outro ofício informando a relação dos jogadores paulistas convocados para a disputa do torneio. Eram eles: Clodô (São Paulo), Athié (Santos), Grané (Corinthians), Del Debbio (Corinthians), Pepe (Palestra Itália), Filó (Corinthians), Amílcar (Palestra Itália), Araken (Santos), Friedenreich (São Paulo), Petronilho de Britto (Sírio), De Maria (Corinthians), Heitor (Palestra Itália), Luizinho (São Paulo), Nestor (São Paulo) e Serafini (Palestra Itália).

O número de convocados demonstrava a força do futebol paulista. Do Rio de Janeiro, apenas oito jogadores haviam sido selecionados: Joel (América), Itália (Vasco), Fausto (Vasco), Russinho (Vasco), Carvalho Leite (Botafogo), Nilo (Botafogo), Preguinho (Fluminense) e Moderato (Flamengo). Unidos, esses craques estavam habilitados, sem qualquer sombra de dúvida, a conquistar o título da I Copa do Mundo. Os dias se passavam. e nem a CBD respondia à solicitação, nem tampouco a APEA liberava os jogadores paulistas para se apresentarem para a viagem. Em 7 de junho, Elpídio de Paiva Azevedo telefonou para o presidente da CBD, Renato Pacheco, com o objetivo de cobrar a inclusão de Jorge Caldeira. Alegava que São Paulo, entre titulares e reservas, enviaria 15 jogadores, enquanto o Rio de Janeiro estava contribuindo com apenas oito, de modo que seria justa a inclusão de um paulista na comissão técnica. Renato Pacheco argumentou que os estatutos fixavam em três os membros da comissão técnica e estes já estavam nomeados: Dr. Píndaro de Carvalho, Doutor Egas de Mendonça e Dr. Gilberto de Almeida Rego, assim como os seus suplentes, João Paulo Vinelli de Morais e Fábio de Oliveira.

Elpídio então indagou se aquela era a palavra final da CBD. Ao ouvir a confirmação, desligou o telefone. Somente no dia 12 de junho a Liga de São Paulo enviou ofício à CBD informando: “A APEA adotou a única deliberação compatível com o brio e o amor próprio, senhores dirigentes da CBD, e informa a esta entidade que, por uma questão de decoro íntimo, se vê na contingência de negar a presença de seus jogadores para o selecionado brasileiro”.

Em consequência disso, a Seleção foi formada apenas por jogadores cariocas, com a inclusão de um único craque paulista, Araken Patuska, que estava sem contrato com o Santos e foi inscrito pelo Flamengo (RJ). No dia da estreia do Brasil contra a Iugoslávia, a temperatura em Montevidéu beirava a zero grau. Desacostumados, os brasileiros demoraram a esquentar no jogo. Por outro lado, os iugoslavos, acostumados à baixa temperatura de seu país, abriram o jogo com 2 a 0. Na Seleção Brasileira, apenas Fausto e Preguinho estavam desenvolvendo um bom futebol. Veio o segundo tempo e Preguinho marcou, aos 16 minutos, de cabeça para o Brasil.

Como a Iugoslávia venceu a Bolívia por 4 a 0, restou aos brasileiros vencer os bolivianos pelo mesmo placar e despedir-se da competição com dignidade. De positivo, apenas o sucesso de Fausto dos Santos. Filho de lavadeira, negro, pobre e nordestino nascido na cidade de Codó, no Maranhão, ele possuía o perfil que ia de encontro aos padrões determinados pelos dirigentes para a prática do futebol. Mas Fausto dos Santos foi o que se pode chamar de um jogador completo. Com o seu estilo clássico, quando dominava a bola era elegante, inteligente e criativo. Sua maneira de fazer o futebol parecer tão fácil deslumbrou o público durante a Copa do Mundo. Encantados, os torcedores argentinos e uruguaios lhe deram o apelido de “La Maravilha Negra”. E, naquela época, quantos Faustos não deveriam existir pelos campos de subúrbio, nas várzeas e nas favelas das cidades brasileiras?

OS JOGOS

14/07/1930 (12.45)
BRASIL 1:2 IUGOSLÁVIA (2:0)
Competição: Copa do Mundo.
Local: Parque Central, em Montevidéu (Uruguai). Público: 24.059 espectadores.
Árbitro: Anibal Tejada (Uruguai). Assistentes: Ricardo Villarino (Uruguai), Thomas Balway (França).
Gols: Tirnanic, aos 21; Bek, aos 30; Preguinho, aos 62.
BRASIL: Joel, Brilhante e Itália; Hermógenes, Fausto e Fernando Giudicelli; Poly, Nilo, Araken, Preguinho e Theóphilo. Treinador: Píndaro de Carvalho Rodrigues.
IUGOSLÁVIA: Jacsik, Ivkovic e Mihajlovic; Arsenijevic, Stevanovic e Dokic; Tirnanic, Marjanovic, Bek, Vujadinovic e Sekulic. Treinador: Bosko Simonovic.

20/07/1930 (13.00)
BRASIL 4:0 BOLÍVIA (1:0)
Competição: Copa do Mundo.
Local: Estádio Centenário, Montevidéu (Uruguai). Público: 25.466 espectadores.
Árbitro: Thomas Balvay (França). Assistentes: Francisco Matteucci (Uruguai), Gaspar Vallejo (México).
Gols: 1:0 Moderato, aos 37; 2:0 Preguinho, aos 67; 3:0 Moderato, aos 73; 4:0 Preguinho, aos 83.
BRASIL: Velloso, Zé Luiz e Itália; Hermógenes, Fausto e Fernando Giudicelli; Benedicto, Russinho, Carvalho Leite, Preguinho e Moderato. Treinador: Píndaro de Carvalho Rodrigues.
BOLÍVIA: Bermúdez; Durandal e Chavarría; Sainz, Lara e Valderrama; Fernández, Reyes, Bustamante, Mendéz, Alborta e Fernández. Treinador: Ulisses Saucedo.



Fonte: CBF